Em 2025, a divisão na comunidade cripto de Hong Kong tornou-se ainda mais intensa.

“Diariamente, as instituições financeiras tradicionais procuram-nos para explorar oportunidades no setor cripto. Promovemos novos serviços no YouTube e Twitter, colaborando com influenciadores de referência e produtores de conteúdo”, relatou um profissional de corretagem, com entusiasmo e ambição face à expansão para o universo cripto.

Em contrapartida, uma nova contratação que rapidamente abandonou uma empresa de blockchain partilhou uma perspetiva mais pessimista: “Estou de saída. Não consigo lidar com a cultura de empresa estatal.”

Na mesma Hong Kong e sob o mesmo ecossistema cripto, há quem viva o entusiasmo e a promessa de uma indústria em ebulição, enquanto outros enfrentam exaustão e desilusão pelo choque de culturas e sistemas institucionais. Esta divisão diária é constante.

Quase todas as corretoras de referência em Hong Kong já integram o segmento cripto. Dados recentes apontam para mais de 40 corretoras, mais de 35 sociedades gestoras de fundos e mais de 10 grandes bancos e firmas de auditoria envolvidos em serviços de ativos virtuais. A Futu NiuNiu, maior corretora tecnológica de Hong Kong, lançou negociação de Bitcoin, Ethereum e outras criptomoedas em agosto do ano passado. No final do ano, o volume médio diário de transações excedia já 35 milhões $.

Num movimento sistemático e estruturado, instituições financeiras mainstream de Hong Kong — desde corretoras, fundos, bancos, auditores até ao setor segurador — integram ativamente ativos cripto no sistema financeiro local. Para os profissionais de finanças que ingressam no cripto, esta dinâmica reacende o espírito inovador e o “encanto de um ciclo económico ascendente”.

Porém, muitos cripto-nativos que se juntaram a empresas regulamentadas deparam-se agora com uma dura confrontação entre ideais de utopia descentralizada e as exigências da regulamentação, conformidade e lógica financeira. O desafio de preservar o “estilo” e “ética” cripto enquanto procuram espaço num mercado dominado pela conformidade revela-se, para muitos, irresolúvel.

Integração

O setor cripto de Hong Kong está a formar um novo híbrido, moldado pela tensão e convergência de três grandes forças culturais.

A primeira é a cultura cripto-nativa.

Exchanges de referência e em conformidade, como HashKey e OSL, absorveram inúmeros especialistas cripto oriundos de entidades como Huobi, Bybit e Binance, preservando uma cultura fundamentalmente “nativa”: aberta, ágil e orientada para o mercado.

Tal como os nativos digitais, os cripto-nativos dominam o universo blockchain, vivem a cultura cripto e são fortemente inovadores, defendendo a descentralização e tecnologia sem fronteiras. Contudo, esta presença tem vindo a diluir-se, com profissionais da internet e das finanças tradicionais a ocupar rapidamente o setor sob requisitos de conformidade.

A segunda força é a cultura das finanças digitais.

Futu, Ant Group, Ant Digital e JD.com personificam esta transição. Com operações digitais maduras e estratégias eficazes de captação de utilizadores, apostam fortemente no mercado cripto de Hong Kong. Algumas — como a Futu NiuNiu — fundiram-se de forma natural com as finanças tradicionais locais. Líder enquanto corretora digital, a Futu abriu seis espaços físicos nos principais bairros empresariais de Hong Kong, evidenciando o seu ADN digital aliado a uma presença local marcante.

Numa dessas lojas, um colaborador da Futu apoiou proactivamente o autor na abertura de uma conta de ações dos EUA, esclarecendo: “Atendo semanalmente mais de cem clientes que procuram informação sobre ações dos EUA, de Hong Kong ou serviços cripto. Quem possui conta em Hong Kong pode negociar cripto; utilizadores com identificação nacional da China Continental não podem.”

A Futu Holdings contabiliza mais de 26 250 000 utilizadores registados, com a Futu NiuNiu a exceder 50% de penetração junto da população adulta de Hong Kong. Esta base tão ampla confere à Futu uma vantagem competitiva relevante no mercado cripto local. Segundo uma fonte do setor, o trading cripto dos clientes Futu em Hong Kong utiliza a infraestrutura central da HashKey Exchange, sendo responsável por uma parcela importante do volume total desta exchange.

Além da Futu, a Ant Group e a JD.com competem igualmente no segmento cripto de Hong Kong. Enquanto a aposta da Futu passa pelas plataformas de trading, Ant e JD.com privilegiam stablecoins e blockchains públicas. A Futu dispõe de licenças regulatórias, mas permanece a dúvida sobre a capacidade da Ant e JD.com de obterem as suas.

O espaço cripto de Hong Kong não se rege por uma lógica de mercado livre; é essencialmente uma questão de acesso e alocação de recursos. Ter licença é requisito de entrada. Segundo especialistas, os bancos chineses deverão ser os primeiros a receber licenças para stablecoins.

O terceiro vetor cultural corresponde às finanças tradicionais de Hong Kong. Instituições como HSBC, Bank of China (Hong Kong) e Victory Securities trazem consigo uma herança de peso, seja de raízes estrangeiras, continentais ou de famílias locais, acrescentando especificidade à indústria cripto local.

O setor cripto de Hong Kong desenvolveu já uma cadeia de valor inteiramente regulamentada, envolvendo centenas de instituições financeiras — de corretoras, fundos, bancos, auditores a seguradoras — todas operando sob rigorosos padrões de conformidade.

Esta cadeia agrega instituições de diferentes origens — estrangeiras, continentais e locais — unindo cripto-nativos, empresas de finanças digitais e entidades financeiras convencionais com robustez técnica e institucional. Criam conjuntamente um ecossistema cripto vibrante e promovem a evolução sustentável do mercado local de ativos digitais.

É a dinâmica entre estas culturas que molda permanentemente o setor.

O cenário cripto de Hong Kong tornou-se indefinível — é hoje um ecossistema sofisticado, envolvendo mais de 100 instituições financeiras por toda a cidade.

Divisão: A experiência humana não é universal

Na mesma cidade e ecossistema, o mundo cripto de Hong Kong oferece vivências radicalmente distintas conforme o interlocutor.

Alguns especialistas defendem que a conformidade do setor cripto está a impulsionar o novo ciclo económico local.

Exemplo disso são os veteranos que transitaram recentemente das finanças tradicionais para o cripto — já com licença ou aguardar aprovação para exchanges ou stablecoins, ou gigantes digitais com enormes bases de utilizadores ansiosos por licenciamento para aceder ao mercado — que avançam com determinação notável.

A dinâmica reflete-se sobretudo nas contratações, com empresas como Futu, JD.com e Victory Securities a investir fortemente na atração de talento, muitas vezes com propostas salariais superiores ao mercado.

Por outro lado, há quem veja o setor cripto de Hong Kong como um jogo de soma zero num mercado maduro e estagnado. As principais empresas não conseguiram aumentar o “bolo” e concentram-se na disputa pela quota existente.

“Saí. Não suportei a forma de trabalhar das empresas estatais”, revelou um colaborador que abandonou rapidamente uma blockchain pública patrocinada por um grande grupo institucional.

“A iniciativa desaparece — tudo precisa de aprovação regulatória.” Questionado sobre a mudança de uma empresa cripto-nativa para uma regulamentada, um gestor intermediário de uma exchange regulamentada assim respondeu.

O maior sentimento de divisão reside, para muitos, no fosso cultural e sistémico entre cripto-nativos e o universo da conformidade.

Um dos pontos de discórdia recentes para os cripto-nativos foi a Lei das Stablecoins de Hong Kong, em vigor desde 01-08-2025. “Nunca vi stablecoins obrigarem a KYC ou restrições de VPN. Como inovar nestas condições?”, queixou-se um profissional.

Para quem vive a cultura blockchain, o dia a dia sempre foi guiado por código e comunidade. Agora, as políticas dominam o setor cripto regulamentado de Hong Kong, gerando ecossistemas radicalmente distintos. Muitos ainda não conseguiram adaptar a sua mentalidade para navegar entre ambos.

A indústria cripto de Hong Kong vive as dores de uma integração forçada e orientada por políticas. Não se trata apenas de regulamentação, mas de uma reconciliação profunda entre finanças tradicionais, digitais e culturas cripto-nativas.

Oportunidade: Quem lucra discretamente?

O surgimento de novos sistemas traz frequentemente oportunidades para alguns acumularem riqueza ao cruzar diferentes setores.

Exemplo: com o aparecimento das stablecoins, o volume anual da Tether disparou cem vezes em apenas um ano — atingindo 10 mil milhões $ em 2017, 1 bilião $ em 2020 e 10 biliões $ em 2024. Da mesma forma, a Binance ultrapassou 100 milhões $ de volume diário em dois meses, atingiu 1 mil milhão $ ao quarto mês e 5 mil milhões $ ao sexto.

Em Hong Kong, embora o ritmo seja diferente, alguns pioneiros já colhem frutos nos bastidores.

“Quase todos os dias, instituições financeiras tradicionais procuram-nos para negócios cripto. Promovemos serviços no YouTube e Twitter, e colaboramos com influenciadores de topo”, relatou um profissional de corretagem que transita para cripto.

“Desde que Hong Kong abraçou o cripto, mais de uma centena de empresas Web3 instalaram-se aqui. Consultoria regulatória, pedidos de licença e expansão de negócio geraram elevada procura junto das sociedades de advogados especializadas em conformidade cripto”, assinala um especialista do setor jurídico.

“Qualquer empresa Web3 que procure crescimento sustentável abre conta bancária local, gerando um elevado volume transacional. Bancos atentos como o ZA Bank capitalizaram rapidamente esta oportunidade”, refere um colaborador de uma exchange regulamentada.

As oportunidades em Hong Kong vão além das exchanges, da gestão de ativos ou dos emissores de stablecoins. Os prestadores de serviços de suporte são também beneficiários diretos da expansão.

E aqueles que enriquecem silenciosamente só são reconhecidos anos mais tarde.

O cripto de Hong Kong sob diferentes perspetivas

“Para cripto-nativos, as empresas cripto regulamentadas de Hong Kong inovam devagar e mantêm-se burocráticas, quase estatais. Para as instituições financeiras tradicionais, os KPIs de inovação podem já ter sido superados este ano”, afirma um gestor sénior de conformidade numa exchange regulamentada.

O setor cripto de Hong Kong assume contornos distintos consoante o ponto de vista.

Para quem vive o ambiente cripto e blockchain, o avanço mede-se por código e consenso comunitário. Atualmente, em Hong Kong, tudo gira em torno das políticas públicas, com a energia da base reduzida, as arestas criativas limadas e substituídas por rigor e estabilidade de conformidade. Muitos cripto-nativos sentem que a regulamentação neutraliza a criatividade disruptiva do setor, dificultando-lhes a adaptação.

Por outro lado, profissionais oriundos da banca tradicional, habituados à segurança e disciplina, consideram que a inovação nas cripto em Hong Kong decorre a ritmo constante e controlado. “Devagar é depressa, depressa é devagar.”

Perante a onda de mudança, todos os intervenientes têm de se adaptar. Queiram ou não, a história não para.

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